Antigamente, toda criança tinha medo de assombração. Toda criança, tinha
medo de lobisomem; tinha medo do papa-figo; do padre-sem-cabeça e do bicho
caipora.
Mas, pra desgosto e inveja das crianças do seu tempo, não era esse, o
sentimento de Sebastião Paca da Silva, o Nenem, para os familiares, e Miolo,
para o restante dos moradores da pequena Vila de Santa Cruz.
Segundo o meu tio Gerôncio, de quem Nenem era primo legítimo, e o seu
amigo, Aluízio Moura, o conhecido "Lú de Viví, no início da década de 40,
do século passado, diáriamente, ao anoitecer, enquanto o rádio (único na Vila),
do Coronel Luiz Alves, transmitia as últimas notícias da Segunda Guerra Mundial,
que se desenrolava na Europa e prendia a atenção dos adultos, que se
aglomeravam nas imediações da casa do Coronel, a meninada, alheia aos horrores
que aconteciam no outro lado do Atlântico, só tinha um objetivo: bulir (hoje é
fazer bullying), com Nenem, chamando-o de Miolo, o que deixava o nosso
personagem, profundamente colérico.
Portando, desde então, um porrete em uma das mãos e com um inseparável
palito, feito de lasca de pau que dançava na sua boca de poucos dentes, Nenem,
enraivecido, corria, Rua Grande acima, Rua Grande abaixo, atrás e sem sucesso
da molecada que o deixava verdadeiramente louco. E, quando finalmente,
conseguia encurralar algum, existia na esquina do Beco do Santander, um
Cemitério e era justamente para onde a infeliz criança corria, pois sabia ser a
única coisa de que Nenem tinha verdadeiro pavor.
E ontem, depois de 89 anos de vida, vivida na inocência dos abençoados
por Deus, a Lei da Vida, fez com que Nenem, o Miolo, que povoou e amedrontou a
imaginação de gerações inteiras de santa-cruzemses, entrasse no único lugar que
ele temia: um Cemitério onde vai morar para, sempre.
Por: Zé Minhoca
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